Vacinação contra Covid-19 em crianças

imagem de um coronavirus ampliado, em branco com fundo vermelho.
Coronavirus -imagem/reprodução lab. Richet
nota técnica divulgada pela Agência Fiocruz

Íntegra da nota técnica divulgada nesta terça (28) pela FioCruz que recomenda a vacinação contra COVID-19 em crianças a partir de 5 anos de idade.

Diante do registro pela agência regulatória nacional (ANVISA) de vacina COVID-19 para crianças a partir de 5 anos de idade, após rigorosos testes pré clínicos e ensaios clínicos em diferentes fases, além da experiência de uso em larga escala em diferentes países, a inclusão da vacinação para o grupo etário de 5 a 11 anos, ainda não contemplada em nosso país, é de grande relevância em saúde pública pelas seguintes razões: atuar na mitigação de formas graves e óbitos pela COVID-19 na faixa etária; colaborar potencialmente na redução da
transmissibilidade da doença; ser uma das mais importantes estratégias para o retorno e manutenção segura das atividades escolares presenciais.

Epidemiologia da COVID-19 em crianças

No ano de 2020, de acordo com o boletim epidemiológico (BE) 44, até a semana epidemiológica (SE) 53, em 27/12/2020, na faixa etária de 0 a 19 anos foram notificados 14.638 casos de SRAG (Síndrome Respiratória Aguda Grave) hospitalizados, confirmados por COVID-19. Isso correspondeu a 2,5% dos casos de SRAG por COVID-19 no país e foram notificados 1.203 óbitos por SRAG confirmados por COVID-19, que corresponderam 0,6% dos óbitos por COVID19 no país. Em outros países também ocorreram óbitos e adoecimentos por COVID-19. Por exemplo, nos EUA onde existem aproximadamente 28 milhões de crianças com idade entre 5 e 11 anos, ocorreram quase 2 milhões de casos de COVID-19 nessa faixa etária durante a pandemia. Somente em outubro de 2021 houve mais de 8.300 casos em crianças de 5 a 11 anos com hospitalizações e em torno de 100 óbitos por COVID-19. A doença COVID-19
nos EUA está entre as 10 principais causas de morte nessa faixa etária.

No Brasil, de acordo com o BE 92, até a semana epidemiológica 48, em 4/12/2021, foram hospitalizados por SRAG, confirmados por COVID-19, 19.900 casos abaixo de 19 anos. Na faixa etária de menores de 1 ano foram notificados 5.126 casos, 1 a 5 anos 5.378 casos e de 6 a 19 anos, 9.396 casos. Em relação aos óbitos, foram notificados 1.422 óbitos por SRAG confirmados por COVID19, 418 em menores de 1 ano, 208 de 1 a 5 anos e 796 de 6 a 19 anos, que corresponderam no total a 0,38% dos óbitos por COVID-19 no país. O primeiro caso confirmado de SIM-P (Síndrome Inflamatória Multissistêmica Pediátrica associada a COVID-19), notificado no Brasil, teve o início dos sintomas em março de 2020. A SIM-P é uma grave complicação da infecção pelo SARS-CoV-2 em crianças, uma condição que gera inflamações em diferentes partes do corpo, incluindo coração, pulmões, rins, cérebro, pele, olhos ou órgãos gastrointestinais. No Brasil, no ano de 2020 ocorreram 728 casos de SIM-P e em 2021, até a semana epidemiológica 47 (SE 47), foram notificados 684 casos confirmados de SIM-P. Somados os casos do ano de 2020 com 2021 chegamos a 1.412 casos de SIM-P no Brasil desde o início da pandemia.

Em relação à faixa etária, o maior número de notificações foi em crianças de 0 a 4 anos (33,5% / n = 473), seguido pela faixa etária de 5 a 9 anos (31,9% / n = 451), 10 a 14 anos (20,1% / n = 284), menor de 1 ano (11,5% /n = 162) e 15 a 19 anos (3% / n = 42). A mediana da idade foi de 5 anos. Dentre os óbitos, a maior parte ocorreu em crianças de 5 a 9 anos (27,1% / n = 23), seguida pela faixa etária de 10 a 14 anos (22,4% / n = 19) e 1 a 4 anos (22,4% / n = 19), menor
que 1 ano (17,7% / n = 15) e 15 a 19 anos (10,6% / n = 9). A mediana da idade dos casos que evoluíram para óbito foi de 7 anos. Somados todos os óbitos por SIM-P desde o início da pandemia chegamos a 85. Disfunções cardíacas são alterações frequentes nos casos de SIM-P. Dos indivíduos notificados que realizaram ecocardiograma e o exame foi registrado no formulário on-line, 29,7% (n = 420) apresentaram anormalidades coronarianas, 10,3% (n = 145)
apresentaram disfunção miocárdica, 9,4% (n = 133) tiveram sinais de valvulite e 3,3% (n = 46) tiveram pericardite. Outras alterações foram relatadas em menor frequência.

Assim, é importante considerar o impacto da COVID-19 na letalidade também na faixa etária pediátrica. A experiência com SIM-P no Brasil mostrou que 64% das crianças e adolescentes acometidos tinham entre 1 e 9 anos de idade, com necessidade de internação em UTI de 44,5% das crianças hospitalizadas e letalidade de 6%. Atualmente, grande parte dessa faixa etária acometida apresenta à sua disposição uma vacina licenciada no Brasil com dados de eficácia e segurança robustos gerados no mundo, tornando a COVID19 uma doença imunoprevenível a partir dos 5 anos de idade. De forma complementar ao benefício direto da vacinação nesse grupo etário pela mitigação da ocorrência de formas graves da doença, sequelas é óbitos, é importante considerar o impacto que a prevenção desses desfechos tem nas fases mais precoces da vida tem sobre a sociedade, especialmente, no tocante
anos de vida perdidos.

Além das questões relacionadas à morbidade e à mortalidade em crianças e adolescentes, a pandemia de COVID-19 representou importante descontinuidade na vida escolar de crianças e adolescentes nos últimos dois anos letivos. Ainda que, em 2021, muitas escolas tenham voltado a atender de forma presencial seus alunos, este ano foi marcado por frequentes interrupções devido a longos afastamentos dos sintomáticos respiratórios e suspensão de
aulas de turmas com caso positivo.
As alternativas hoje disponíveis para evitar ou minimizar os prejuízos pedagógicos, sociais, individuais e emocionais desta descontinuidade da vida
escolar são: 1) testes para permanecer na escola – testes semanais, testes de
sintomáticos respiratórios e contatos e 2) vacinação.

Ainda que crianças adoeçam menos por COVID-19 e menos frequentemente desenvolvam formas graves da doença, elas transmitem o vírus na comunidade escolar e fora dela. A vacinação de crianças se apresenta, portanto, como alternativa robusta para garantir a continuidade de oferta de escola na forma presencial.

O confinamento, o isolamento social e a interrupção da rede de apoio das famílias são os maiores responsáveis pelas repercussões na saúde mental. A intensidade do isolamento social, a qualidade das relações familiares e o tempo de duração das medidas de contingência da pandemia são variáveis importantes na avaliação dos prejuízos emocionais causados pela pandemia. Embora menos susceptíveis às formas clínicas graves da COVID-19, crianças e adolescentes não são indiferentes ao seu impacto, quando considerada a dimensão mental. Os estudos apontam para retrocessos no desenvolvimento psicomotor, transtornos do humor, alimentares e do sono.

O retorno às atividades escolares presenciais de forma regular permite a identificação e cuidado de alunos com diferentes vulnerabilidades, muitas acentuadas pela pandemia; dentre elas, ressaltamos as questões emocionais e o resgate das situações de evasão escolar após longo período sem escola.

A imunização de crianças no mundo

A liberação da vacina da Pfizer para crianças de 5 a 11 anos, aprovada pela ANVISA há cerca de duas semanas, busca proteger as crianças que passam a ter uma maior probabilidade de serem infectadas pelo SARS CoV-2, principalmente com o avanço da vacinação em adultos, no Brasil e em vários países do mundo.

Dezenas de países iniciaram recentemente a vacinação para crianças abaixo de 12 anos, seja utilizando imunizantes outro já aprovados em suas respetivas agências reguladoras (como Pfizer na União Europeia e EUA e a Sinopharm e Coronavac na China;), com o objetivo de proteger as crianças que, ainda que com percentual de agravamentos menor, podem ser hospitalizadas e até vir a óbito pela COVID-19.

Diante da transmissão e avanço atual da variante Ômicron, existe uma preocupação aumentada com seu maior poder de transmissão, especialmente, nos indivíduos não vacinados. Isso torna as crianças abaixo de 12 anos um grande alvo dessa e possivelmente outras variantes de preocupação. Nos EUA cerca de 5 milhões de crianças entre 5 e 11 anos de idade já foram imunizadas, sem eventos adversos significativos. Dados do sistema de vigilância de eventos adversos dos EUA, após utilização em larga escala, demonstraram um perfil de
reatogenicidade adequado, com 97% dos eventos adversos relatados classificados como não graves. Ocorreram 8 casos de miocardite em mais de 7 milhões de vacinados, todos com evolução favorável, o que um risco substancialmente menor deste evento adverso comparado com o risco previamente observado em adolescentes e adultos jovens após a vacinação

Nas Américas, além dos EUA, El Salvador iniciou vacinação de crianças acima de 6 anos, Chile e Bolívia acima de 3 anos e Cuba, primeiro país a vacinar crianças, acima de 2 anos. Vários países asiáticos também já iniciaram a vacinação de suas crianças, como China, em junho de 2021, e Indonésia.

Estudos de fase IV

Com relação ao procedimento acelerado de aprovação de imunizantes e medicamentos, isso já é previsto em várias agências regulatórias no mundo em situações especiais e, certamente, a pandemia gerada pelo SARS-CoV2 se encaixa em tais situações. A OMS já em 2020 previa tal procedimento por conta dos graves desdobramentos da pandemia no mundo. Enquanto processos de desenvolvimento de vacinas podem durar cerca de 10 anos entre estudos préclínicos e licenciamento, a previsão para as vacinas contra o SARS-CoV2 era de desenvolvimento em todas as etapas (pré-clínico e fases I, II e III) em cerca de um ano, com etapas sendo feitas em paralelo.

Nesse caso, desenvolvimento de infraestrutura e procedimentos para manufaturar as vacinas são feitos mesmo antes da aprovação final do produto e estudos clínicos de segurança e eficácia são desenvolvidos em séries com intervalos curtos, sempre baseado em dados preliminares das fases. Entretanto, é importante salientar que todos os mecanismos usuais de monitoramento de segurança e eficácia, como vigilância de eventos adversos, monitoramento de dados de segurança e acompanhamento de longo prazo, permanecem em vigor sem prejuízo na qualidade dos estudos clínicos. Por fim, todos os produtos liberados, continuam sendo monitorados após a liberação pelas agências reguladoras em estudos de fase IV (farmacovigilância ou vigilância pós-“marketing”). Cabe à farmacovigilância identificar, avaliar e monitorar a ocorrência dos eventos adversos relacionados ao uso dos produtos aprovados
com o objetivo de garantir que os benefícios relacionados ao uso desses produtos sejam maiores que os riscos por eles causados. Importância da vacinação em crianças para a segurança nas atividades escolares.

Para a matrícula escolar, algumas escolas solicitam aos responsáveis dos alunos ingressantes a carteira de vacinação, com o objetivo de tornar o ambiente mais seguro no que diz respeito às doenças transmissíveis, de modo não somente a resguardar a saúde individual, mas a coletiva no qual o aluno está sendo inserido. E é também sobre essa justificativa que as autoridades sanitárias apostam no incentivo sobre estes benefícios que a vacina de COVID-19 pode
apresentar para o público de 5 a 11 anos de idade.

A queda da cobertura vacinal no Brasil, relatada nos últimos 5 anos, tem sido objeto de estudos e de preocupação pelas autoridades sanitárias. Devido ao longo período de confinamento e isolamento social para conter a pandemia de COVID-19, muitas famílias tiveram o calendário vacinal das crianças e adolescentes atrasados. A baixa cobertura vacinal tem sido acompanhada da reintrodução de doenças imunopreviníveis como o sarampo. Uma comunidade escolar saudável requer coberturas vacinais elevadas. O Brasil tem um dos maiores e mais bem sucedidos programas de vacinação do mundo, que é capaz de imunizar com segurança e eficiência todas as nossas crianças e adolescentes.

Ainda em relação à comunidade escolar, recorda-se que o país não retomou em sua totalidade a oferta do ensino presencial, fala-se muito ainda no modelo híbrido emergencial já que a pandemia ainda segue em curso. Não restam dúvidas que este modelo precisa ser visto dentro do planejamento da comunidade escolar como algo a ser superado pelos próximos meses, conforme as condições sanitárias sejam atendidas e aqui reforça-se o acesso à vacinação
como modo de enfraquecer a força do vírus.

Para o campo da saúde pública a escola sempre será promotora de saúde, por assegurar, não somente a convivência e desenvolvimento biopsicossocial, mas também proteger possíveis danos como já mencionados em nossos documentos anteriores (https://portal.fiocruz.br/documentos/recomendacoes
_2021-08.pdf
).
Os impactos da COVID-19 na saúde mental e física de crianças e adolescentes são amplamente reconhecidos nacional e internacionalmente. À medida que adultos e adolescentes passam a ser mais amplamente vacinados, grupos não elegíveis para a vacinação poderão representar maior percentual de casos e hospitalizações por COVID-19.

Rotinas de convivência mais ampla e social das crianças, o que inclui a escolarização, são fundamentais para o seu crescimento e desenvolvimento. Nesse sentido, apoiar a estruturação de políticas que propiciem a vacinação de crianças, em momento oportuno, conforme autorização e recomendações das agências regulatórias, pode contribuir para a manutenção de escolas abertas no ano de 2022, com redução da transmissibilidade do vírus e evitando o
surgimento e circulação de novas variantes. Este panorama será fundamental para a garantia de saúde e segurança de todos os que convivem nas escolas, bem como para a proteção de pais, avós e responsáveis.

Ressalte-se que o desafio da vacinação de todos é global e exige respostas que propiciem o acesso igualitário às vacinas por todos e para todos os países. A falta de acesso aos imunizantes coloca em risco todo o planeta, com o risco de surgimento de novas variantes mais transmissíveis e até mais agressivas.

Conclusão

É recomendável a vacinação contra COVID-19 em crianças a partir de 5 anos de idade.

As vacinas são a melhor forma de se evitar mortes e sequelas graves decorrentes das doenças imunopreviníveis. Manter a atualização do calendário vacinal de crianças e adolescentes é indispensável para que estes possam se desenvolver em plenitude e, como tal, a incorporação da vacinação contra COVID-19 ao calendário do PNI (Programa Nacional de Imunização) é
ferramenta importante no controle da pandemia. Ainda que em proporções de agravamento e óbitos inferiores aos visualizados em adultos, as crianças também adoecem por COVID-19, são veículos de transmissão do vírus e podem desenvolver formas graves e até evoluírem para o óbito. Eventos adversos pósvacinais são raros nas avaliações conduzidas e menos frequentes que o risco de complicações e óbito pela COVID-19.

Tendo em vista as questões elencadas nesta Nota Técnica, a Fiocruz ratifica a importância da vacinação contra COVID-19 para crianças e adolescentes, conforme aprovação pela ANVISA que se seguiu à análise técnica rigorosa, e segundo experiências de segurança na vacinação desse grupo, já iniciada em outros países.

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Leia o original em agencia.fiocruz.br/nt28.12