Por Letícia Rodrigues
Estado brasileiro precisa avançar na coleta de dados sobre a população trans e das demais intersecções LBGTI+ para inclusão acontecer também nas empresas
A inclusão da pessoa trans no mercado de trabalho segue como um dos grandes desafios de empresas, da sociedade civil e, principalmente, do Estado, que tem o dever constitucional de assegurar as necessidades vitais de todos os brasileiros.
No 2023 que se inicia, este desafio ganha contornos mais complexos com o Congresso mais conservador da história prestes a tomar posse no próximo mês, o que impõe, portanto, um cenário desafiador para a aprovação de políticas públicas voltadas à população trans e a outros grupos minorizados.
Ao mesmo tempo, também de forma inédita, temos um Executivo Federal a verbalizar enfaticamente a necessidade de se usar os instrumentos do Estado para resgatar a dignidade dos marginalizados visíveis e invisíveis e de buscar pontes com a sociedade civil na elaboração de políticas públicas, o que, sem dúvida, é muito positivo.
Ainda não dá para saber como essa correlação de forças vai influenciar a ação do poder público no sentido de aplacar as demandas da sociedade, especialmente da população trans, que segue no Brasil sem a devida visibilidade.
Nosso país não tem ideia de qual é o tamanho da população trans, nem suas demandas a serem contempladas em políticas públicas, além dos poucos dados disponíveis no sistema público de saúde e nas entidades da sociedade civil a atuar junto a esta intersecção.
A mais recente atualização da Pesquisa Nacional de Saúde até trouxe dados inéditos sobre a identidade de gênero dos brasileiros, ainda que com acurácia limitada, como ressaltaram os realizadores do levantamento em sua divulgação.
Também houve avanço no debate sobre a necessidade de se apurar dados acerca da identidade de gênero da população brasileira, seja via Censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística ou outro instrumento de coleta de dados.
Cabe aqui discutir as limitações metodológicas desses instrumentos, que precisam ser equacionadas a fim de garantir a acurácia das informações levantadas e a real visibilidade da população trans e das demais interseccionalidades LGBTI+.
Em seu formato atual, o Censo pressupõe a coleta de dados de toda família com informações dadas pelo/a o/a responsável financeiro/a, situação que levanta dúvidas sobre a situação dos terceiros a viver no domicílio.
No caso da Pesquisa Nacional de Saúde, como admitem seus realizadores, a sondagem precisa ser reformulada para assegurar a privacidade na coleta de dados necessária à investigação de temas íntimos como a orientação sexual dos entrevistados.
O equacionamento dessas questões terá avanço quando houver um diálogo afinado entre o poder público e a sociedade civil para a criação de uma estratégia que assegure não só a coleta de dados precisos e como também a adesão da comunidade LGBTI+ à sondagem.
Só assim será possível obter dados capazes de orientar políticas públicas efetivas voltadas às pessoas trans e às demais intersecções LGBTI+, dados estes que também vão encontrar uso no setor privado.
Sem saber, por exemplo, a prevalência das pessoas trans e das outras intersecções LGBTI+ na população, as empresas ficam sem referências que lhes permitam traçar metas de inclusão em suas ações afirmativas.
A experiência que já temos de inclusão de pessoas trans em empresas também mostram a necessidade de estruturar ações de aceleração educacional e monitoramento estratégico e detalhado da saúde física e mental desses colaboradores.
Esses dados, no entanto, refletem unicamente o minúsculo universo de pessoas trans que consegue de um modo ou outro acessar postos de trabalho formal, de modo que a realidade das demais ainda é desconhecida das empresas.
Conhecer a população trans brasileira também vai permitir ao poder público e à iniciativa privada traçar ações mais efetivas de combate ao preconceito, à discriminação e ao fortalecimento de uma cultura de acolhimento e respeito dentro das empresas e fora delas.
No Congresso há pelo menos uma dezena de projetos de lei para a criação de políticas públicas de inclusão de pessoas trans na sociedade, contemplando muitas das demandas e necessidades neste texto expostas.
Faço votos que, em 2023, eles avancem, juntamente com todo este debate.
Sobre a autora: Letícia Rodrigues é Consultora de diversidade, equidade e inclusão, além de sócia-fundadora da consultoria Tree Diversidade.
A sessão de artigos é publicada às segundas-feiras, com textos de colunistas convidados. Seu conteudo é de total responsabilidade dos autores e pode não refletir o posicionamento do site. Encontre mais artigos publicados neste link.