por Crisbelli Domingos e Thays Carvalho Cesar
Apesar de ser um tema discutido há alguns anos, o que conhecemos como linguagem neutra, não binária, neolinguagem ou linguagem inclusiva continua causando polêmica, tanto no meio acadêmico como na política e nos movimentos sociais. Inegavelmente, a demanda social por inclusão e respeito à diversidade está sendo manifestada nas interações humanas, desde as conversas pessoais e virtuais rotineiras aos diálogos formais requeridos no contexto de trabalho.
A partir desse cenário, que deixa evidente a existência de uma mudança social massificada, transporta-se para a língua a demanda por inclusão de pessoas trans não binárias, intersexo e as que não se identificam com os gêneros feminino e masculino. Assim, encontra-se um conjunto amplo, com diferentes perspectivas teóricas da linguística sobre o fenômeno de neutralização do gênero gramatical. Entre os vários tipos de estudos, existem os feitos por linguistas que se preocupam com os limites da gramática a respeito da inclusão do gênero não marcado ‘e’ (ex. amiga, amigo e amigue). O gênero é uma categoria fundamental na cognição social e, por isso, não seria impossível, mas difícil as pessoas se “agenerificarem” tão rapidamente.
Há, também, os linguistas que olham atentamente para os subgrupos de substantivos que se referem a grupos sexuados, considerando que nem todos os substantivos terminam com “a” ou “o”, sendo a implantação morfológica generalizada de ‘e’ algo intangível neste primeiro momento; e, ainda, aqueles que advogam em favor da implantação formal da marcação – e na língua, observando o direito à diversidade presente na Base Comum Curricular (BNCC), na qual é recomendado que “(…) é importante contemplar o cânone, o marginal, o culto, o popular, a cultura de massa, a cultura das mídias, a cultura digital, as culturas infantis e juvenis, de forma a garantir uma ampliação de repertório e uma interação e trato com o diferente” (BRASIL, 2018, p. 70).
Independente dos rumos de cada abordagem teórica da linguística, é consenso entre os especialistas, tanto nacionais como estrangeiros, que a língua é dinâmica e se modifica, acompanhando as transformações da sociedade. Por isso, é ingênuo pensar que a mudança na gramática da língua é o que deve mudar todo o preconceito estrutural da sociedade. Nesse aspecto, há uma via que não é de mão dupla: a gramática normativa é atualizada de acordo com a cristalização dos usos ao longo do tempo e, não, pelo estabelecimento de regras presentes que ditem usos futuros. Caso o gênero neutro seja cristalizado na língua, nos próximos anos, torna-se inevitável a sua inclusão na gramática formal.
Mas, voltando à pergunta: devo ou não usar a linguagem neutra?
Sendo a língua um organismo vivo que acompanha a dinâmica da sociedade, talvez seja importante reconhecer que o uso da linguagem neutra é, neste momento, facultativo. Embora seja temerário atribuir à língua a responsabilidade pelas mudanças sociais – pois ela sozinha não determina a configuração da sociedade -, é preciso considerar que as conversas que participamos rotineiramente fazem parte de um contrato comunicativo que firmamos com nossos interlocutores. Caso alguém específico nos diga que esse uso é importante para respeitá-lo enquanto indivíduo, não nos cabe romper esse contrato.
Entrar na proposta comunicativa do outro faz com que você seja também respeitado, ouvido e reconhecido enquanto sujeito solícito e consciente dos preconceitos, injustiças e exclusões sociais que fazem com que uma determinada pessoa ou um grupo de pessoas identifiquem-se como desiguais pelas formas de tratamento linguístico. Talvez não seja possível mudar do dia para a noite toda uma estrutura linguística, mas é possível pensar na língua como uma condição de existência no mundo, uma vez que o dizer delimita uma forma de existência.
Sobre as autoras: Crisbelli Domingos e Thays Carvalho Cesar são professoras da Escola Superior de Educação do Centro Universitário Internacional Uninter.
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