Mostra organizada por Chico Dub explora o aspecto sensorial e tátil do som, através de obras e instalações de cerca de artistas e resgates de obras internacionais
“De acordo com um antigo ensinamento hindu chamado Nada Brahma, tudo no universo é som, pois, em termos simplificados, som é vibração e tudo vibra”. Com esta frase, o curador Chico Dub sintetiza a essência do que é a Virada Sônica. A exposição, aberta na última sexta-feira, em dois andares do Farol Santander, aborda diversas formas de se perceber o som, desde aspectos físicos – como ele pode ser material e palpável, até os acústicos.
“A mostra atende a vocação do Farol Santander em oferecer ao público visitante exposições inéditas e surpreendentes, instigando-o a pensar sobre as infinitas possibilidades da arte contemporânea. Nesta exposição o espectador poderá vivenciar experiências sensoriais e auditivas e ao mesmo tempo ‘enxergar’ a fisicalidade do som e seus fenômenos”; comenta Maitê Leite, vice-presidente Executiva Institucional do Santander Brasil.
Foram reunidas obras de mais de 25 artistas e pesquisadores brasileiros, além de resgates históricos do próprio curador. Algumas instalações são visualmente bastante curiosas, como a que abre a mostra no 24º andar. Sem interagir com “Earth Pulse” de Joana Burd, Darya Efrat e João Dias Oliveira, ela parece apenas um gramado elevado do chão, mas quando se toca nela é possível sentir o que eles chamam de ‘pulsação da Terra’. A instalação vibra de acordo com os registros sísmicos do planeta. O convite dos artistas é para se tocar, caminhar ou mesmo deitar sobre a obra que tem seus registros recalculados a cada minuto e meio.
Nos dois andares e também na escada entre eles, o visitante terá a oportunidade de conhecer as visões de diferentes artistas sobre o que é o som e mesmo a sua ausência (confira a relação completa o quadro ao final da matéria). Entre os pioneiros nesta reflexão, o curador da mostra trouxe Walter Smetak, John Cage e Yoko Ono, por exemplo. Também chama a atenção a ‘presença materializada’ da primeira gravação fonográfica conhecida da fala humana, datada do final do século 19. Trata-se de uma impressão em 3D da curva sonora, produzida por Rafael Lozano-Hemmer (Canadá).
Algumas peças são de ‘leitura mais simples’, que ainda assim levam a reflexões. São os casos da instalação “Waves” de Daniel Palacios (Espanha), que reproduz a imagem da onda sonora através da oscilação um pedaço de corda, e das “Espreguiçadeiras Sonoras” de Floriano Romano (Brasil), literalmente espreguiçadeiras com caixas de som, que reproduzem o barulho do mar. Existem também vídeos com fones e outros, sem o áudio original, que analisam o poder e a profundidade (ou falta de) das legendas – estes de Christine Sun Kim (EUA).
Há várias obras menos literais, além da instalação Earth Pulse. Entre elas está “Exú” de Marco Scarassatti (Brasil), que é apresenda pelo artista como um Ibá sonoro, um objeto de transformação de energia que materializa o que seriam as oferendas através do som. O nome Exú remete a este orixá que é sempre ligado à comunicação entre os mundos, é um mensageiro e também o guardião do local em que se jogam os buzios. A obra é parte de uma série de Orixás Sonoros.
“A exposição Virada Sônica: a escalada do som na arte contemporânea é de suma importância não apenas por destacar a relevância do som na arte dos últimos 20 anos, mas por ser a primeira grande coletiva dedicada a essa prática no Brasil, evidenciando eixos curatoriais que vão além das análises simplistas sobre a relação entre som e imagem”, analisa Chico Dub.
Virada Sônica – A escalada do som na arte contemporânea
De terça a domingo, das 9h às20h, até 13 de outubro
Farol Santander
R. João Brícola, 24; 23º e 24º andades, além da escada entre eles.
Ingressos a partir de R$20 (meia) farolsantander/ingressos
Relação das Obras
Bella (Brasil) – “Antena Ôca” Objeto + Vídeo. Uma antena feita folha de Embaúba capta sinais eletromagnéticos do ambiente e os converte em som. Instrumento da escuta do invisível (ou do inaudito).
Chelpa Ferro (Brasil) – “Buraco” - Uma instalação sonora composta por duas caixas de som explora o princípio físico da ressonância. Uma das caixas, desprovida do falante, contém um microfone que captura o som do espaço vazio dentro dela e o transmite para o falante da outra caixa.
Christian Marclay (EUA) – “Ephemera” - Corte e colagem fotográfica de diversos objetos que mostram notações musicais e que são montados em estantes de partituras.
Daniel Palacios (Espanha) – “Waves” - A instalação usa dois motores para oscilar um pedaço de corda, criando uma lembrança visual de uma forma de onda digital, enquanto cria seu zumbido a partir do movimento da corda cortando o ar em diferentes velocidades. A instalação reage a quem a assiste. Quando o público se movimenta em torno dela influencia os movimentos da corda, gerando ondas visuais e acústicas desde padrões harmônicos até padrões complexos.
Esteban Viveros, Fernando Iazzetta e Julián Jaramillo Arango (Brasil) – “Rush” - Trabalho de arte e ciência que usa a ferramenta da sonificação: o processo de transformar dados, sejam eles quais forem, em sons e consequentemente música. “Rush” transforma em arranjos sonoros os deslocamentos realizados durante uma semana pela frota de ônibus que circula na cidade de São Paulo.
Floriano Romano (Brasil) – “Espreguiçadeiras Sonoras” - Através de caixas embutidas é possível ouvir o som do mar. A instalação busca uma complementaridade entre a paisagem física e a paisagem sonora. “A paisagem é uma emissão de ondas de luz, um fenômeno que está acontecendo no momento; a paisagem sonora também. Mas a gente não tem o hábito da escuta, que é o objeto do meu trabalho.”
Harry Bertoia (Itália-Estados Unidos) – “Sonambient” - Um dos pioneiros no uso de som como material escultural. Usava as qualidades auditivas de metal vibratório para construir esculturas sonoras com fins funcionais. A sonoridade tonal é relaxante, zen, meditativa. Vamos exibir uma miniatura e um vídeo documentário.
John Cage (EUA) – 4’33” - Para muitos, um dos trabalhos de arte mais importantes do século 20. Vamos mostrar um detalhe da partitura e o vídeo de uma apresentação. Essa emblemática peça-happening (interativa, multimídia, aberta, performática) não é sobre o silêncio, mas, sim, sobre a impossibilidade do silêncio. Sendo assim: tudo é som; tudo é música.
Marco Scarassatti (Brasil) – “Exú” - Um dos “Orixás Sonoros” do artista: objeto tridimensional inspirado no Orixá de mesmo nome que, através de seus materiais, formas e movimentos, produz uma quarta dimensão: o som.
Negalê (Brasil) – “Encantadas” - Instalação com osciladores sonoros baseados no extrato de ervas e plantas.
Paulo Bruscky (Brasil) – “Música” - Fotografia de um pote de vidro com sementes. Trata da expansão do conceito de música a partir de Cage, onde “tudo é música”.
Rafael Lozano-Hemmer (Canadá) – “Au Clair de la Lune” - No final do século 19, “Au clair de la lune” se transformou na primeira gravação fonográfica conhecida da fala humana. Neste trabalho, a mesma frase é materializada com a parceria de cientistas em uma impressão 3D.
Simon Fernandes (Brasil) – “Não é o silêncio que se move” - Gravações de áudio feitas durante as manifestações populares convertidas e manipuladas em imagens. Trabalho que explora o aspecto silencioso do som no sentido da passagem, do rastro deixado por esses ruídos (a infinita propagação da onda sonora e sua transformação).
Vivian Caccuri (Brasil) – “Escutar é uma utopia 6” - Trabalho muito importante para a exposição. Porque se por um lado estamos promovendo esse interesse no som em detrimento da imagem, escutar é algo utópico porque pressupõe o compromisso de abertura ao outro.
Tiganá Santana (Brasil) – “Ilês, Aiyês, Carnavais e Ancestrais” - Instalação sonora que presta uma homenagem ao primeiro bloco afro do Brasil fundado 50 anos atrás.
Yoko Ono (Japão) – “EARTH PIECE: Listen to the sound of the earth turning” - Obra de arte conceitual e participativa, uma das muitas instalações da artista, sobre ouvir o som da terra girando.
Walter Smetak (Suíça-Brasil) – “Pindorama” - Instrumento original construído por Smetak. Foi pensado para ser executado por até 60 músicos simultaneamente. O sentido da improvisação coletiva reúne-se em um único objeto.
Anti Ribeiro (Brasil): “Uivo” - Instalação sonora quadrifônica no escuro onde diferentes tipos de som (segundo a artista, “vozes”), nos convidam a escutar para nos relacionarmos com o que não é aparente.
Christine Sun Kim (EUA) – “Close Readings”- Nessa série, os vídeos têm o áudio desligado, mas apresentam legendas. Em cada um dos quatro vídeos, um colaborador surdo comenta em texto sobre a qualidade das legendas, destacando como muitas vezes são malfeitas ou incompletas. A série expõe as limitações e omissões das legendas convencionais, que muitas vezes não capturam a totalidade da informação sonora ou a riqueza da comunicação verbal.
Christine Sun Kim (EUA) – “Echo Trap” - desenhos utilizam elementos gráficos para representar a relação entre som, espaço e tempo. Kim recorre a diagramas, linhas, e símbolos para ilustrar como os ecos — reflexos sonoros que retornam ao ouvinte — podem ser percebidos e interpretados de maneiras diversas. A série é uma investigação sobre como o som, ou a ausência dele, interage com o espaço físico e como essas interações são processadas mentalmente.
Ciana (Brasil) – “Beat Bolha” - Instalação sonora em formato de caixa/portal de madeira e vidro em que o som sai da água reservada no interior da obra. Reflete a pesquisa da artista, usando a metonímia do beat bolha (subgênero do funk popularizado no Rio de Janeiro e São Paulo que utiliza sons de água/ bolha na construção da batida) para pensar a ancestralidade no funk e as influências da travessia atlântica dos povos africanos na sonoridade de favela.
Darya Efrat (Israel), Joana Burd (Brasil) e João Dias-Oliveira (Portugal) – “Earth Pulse” - Instalação participativa através uma esteira elevada com piso de grama e caixas de som de baixas frequências escondidas embaixo da superfície. A ideia é que você sinta a vibração de forma corpórea e coletiva e lembre que a terra é um organismo vivo no qual habitamos e cuja energia e comportamento alteramos constantemente.
Julia Rossetti (Argentina) – “Postales Sonoras” - Bordados em ponto-cruz baseados em fotografias do pôr do sol no Rio Paraná são transformados em som, criando uma representação auditiva dessas imagens, como se fossem postais sonoros. O vídeo que acompanha a obra inclui áudios de relatos dos moradores locais.
Nicole L´Huillier (Chile) – “Cuchicheos” - Obra que sinaliza ideias de sintonia com a alteridade, ouvindo e prestando atenção às muitas histórias que constroem nossas realidades, principalmente àquelas que são sussurradas ao nosso redor em uma língua desconhecida.
PV Dias (Brasil) – “Cobra Grande Sound (Vermelha, Verde, Azul e Amarela)” - Instalação sonora (apanhado cacofônico de tecnobregas do Pará) com caixas de som que fazem referência a uma imponente cobra mítica. Trata-se do mito do Norato ou Cobra Grande, presente em diversas cidades amazônicas. Segundo a lenda, essa serpente gigantesca vive sob a terra e, em determinados momentos, se movimenta, fazendo tremer a cidade que está sobre ela.
Craca (Argentino-Brasil) - “Áudio Wall” - Um paredão de som ou bloco acústico constituído por tijolos refratários com alto-falantes embutidos com um sistema lateral de conexão magnética.
E fora do ambiente da mostra, no terraço do 26º andar, o artista brasileiro Rodrigo Ramos apresenta o trabalho “Espelho Sonoro”. A ideia é ampliar a percepção dos ambientes urbanos e naturais a partir da escuta. A obra é uma releitura de localizadores sonoros acústicos utilizados durante a Primeira Guerra Mundial (1914 – 1919) para localizar aviões, navios e tanques.
A exposição Virada Sônica é apresentada pelo Ministério da Cultura, Zurich Santander, Emdia e Santander Brasil.