Virada Sônica, em exposição no Farol Santander

imagem da sala de exposição, com uma instalação no centro que parece algumas cabaças com mangueiras transparentes pendendo delas, aparecem várias pessoas circulando ao redor e obras nas paredes
Mostra Virada Sônica, estará aberta até 13 de outubro no Farol Santander.

Mostra organizada por Chico Dub explora o aspecto sensorial e tátil do som, através de obras e instalações de cerca de artistas e resgates de obras internacionais

“De acordo com um antigo ensinamento hindu chamado Nada Brahma, tudo no universo é som, pois, em termos simplificados, som é vibração e tudo vibra”. Com esta frase, o curador Chico Dub sintetiza a essência do que é a Virada Sônica. A exposição, aberta na última sexta-feira, em dois andares do Farol Santander, aborda diversas formas de se perceber o som, desde aspectos físicos – como ele pode ser material e palpável, até os acústicos.

“A mostra atende a vocação do Farol Santander em oferecer ao público visitante exposições inéditas e surpreendentes, instigando-o a pensar sobre as infinitas possibilidades da arte contemporânea. Nesta exposição o espectador poderá vivenciar experiências sensoriais e auditivas e ao mesmo tempo ‘enxergar’ a fisicalidade do som e seus fenômenos”; comenta Maitê Leite, vice-presidente Executiva Institucional do Santander Brasil.

Foram reunidas obras de mais de 25 artistas e pesquisadores brasileiros, além de resgates históricos do próprio curador. Algumas instalações são visualmente bastante curiosas, como a que abre a mostra no 24º andar. Sem interagir com “Earth Pulse” de Joana Burd, Darya Efrat e João Dias Oliveira, ela parece apenas um gramado elevado do chão, mas quando se toca nela é possível sentir o que eles chamam de ‘pulsação da Terra’. A instalação vibra de acordo com os registros sísmicos do planeta. O convite dos artistas é para se tocar, caminhar ou mesmo deitar sobre a obra que tem seus registros recalculados a cada minuto e meio.

imagem da instalação earth pulse com dois 'visitantes' sobre ela. é um gramado e aparecem os pés descalços de duas pessoas pisando sobre a obra.
Earth Pulse”de Joana Burd, Darya Efrat e João Dias Oliveira

Nos dois andares e também na escada entre eles, o visitante terá a oportunidade de conhecer as visões de diferentes artistas sobre o que é o som e mesmo a sua ausência (confira a relação completa o quadro ao final da matéria). Entre os pioneiros nesta reflexão, o curador da mostra trouxe Walter Smetak, John Cage e Yoko Ono, por exemplo. Também chama a atenção a ‘presença materializada’ da primeira gravação fonográfica conhecida da fala humana, datada do final do século 19. Trata-se de uma impressão em 3D da curva sonora, produzida por Rafael Lozano-Hemmer (Canadá).    

Algumas peças são de ‘leitura mais simples’, que ainda assim levam a reflexões. São os casos da instalação “Waves” de Daniel Palacios (Espanha), que reproduz a imagem da onda sonora através da oscilação um pedaço de corda, e das “Espreguiçadeiras Sonoras” de Floriano Romano (Brasil), literalmente espreguiçadeiras com caixas de som, que reproduzem o barulho do mar. Existem também vídeos com fones e outros, sem o áudio original, que analisam o poder e a profundidade (ou falta de) das legendas – estes de Christine Sun Kim (EUA).

Há várias obras menos literais, além da instalação Earth Pulse. Entre elas está “Exú” de Marco Scarassatti (Brasil), que é apresenda pelo artista como um Ibá sonoro, um objeto de transformação de energia que materializa o que seriam as oferendas através do som. O nome Exú remete a este orixá que é sempre ligado à comunicação entre os mundos, é um mensageiro e também o guardião do local em que se jogam os buzios. A obra é parte de uma série de Orixás Sonoros.

Artista agaixado ao lado da obra Exu, um totem vermelho, com elementos de metal e a frente um alto falante sem a caixa, virado para cima, com alguns búzios.
Marco Scarassatti (Brasil) e sua obra “Exú”

“A exposição Virada Sônica: a escalada do som na arte contemporânea é de suma importância não apenas por destacar a relevância do som na arte dos últimos 20 anos, mas por ser a primeira grande coletiva dedicada a essa prática no Brasil, evidenciando eixos curatoriais que vão além das análises simplistas sobre a relação entre som e imagem”, analisa Chico Dub.

Virada Sônica – A escalada do som na arte contemporânea
De terça a domingo, das 9h às20h, até 13 de outubro
Farol Santander
R. João Brícola, 24; 23º e 24º andades, além da escada entre eles.
Ingressos a partir de R$20 (meia) farolsantander/ingressos

Relação das Obras

Bella (Brasil) – “Antena Ôca” Objeto + Vídeo. Uma antena feita folha de Embaúba capta sinais eletromagnéticos do ambiente e os converte em som. Instrumento da escuta do invisível (ou do inaudito).

Chelpa Ferro (Brasil) – “Buraco” - Uma instalação sonora composta por duas caixas de som explora o princípio físico da ressonância. Uma das caixas, desprovida do falante, contém um microfone que captura o som do espaço vazio dentro dela e o transmite para o falante da outra caixa.

Christian Marclay (EUA) – “Ephemera” - Corte e colagem fotográfica de diversos objetos que mostram notações musicais e que são montados em estantes de partituras.

Daniel Palacios (Espanha) – “Waves” - A instalação usa dois motores para oscilar um pedaço de corda, criando uma lembrança visual de uma forma de onda digital, enquanto cria seu zumbido a partir do movimento da corda cortando o ar em diferentes velocidades. A instalação reage a quem a assiste. Quando o público se movimenta em torno dela influencia os movimentos da corda, gerando ondas visuais e acústicas desde padrões harmônicos até padrões complexos.

Esteban Viveros, Fernando Iazzetta e Julián Jaramillo Arango (Brasil) – “Rush” - Trabalho de arte e ciência que usa a ferramenta da sonificação: o processo de transformar dados, sejam eles quais forem, em sons e consequentemente música. “Rush” transforma em arranjos sonoros os deslocamentos realizados durante uma semana pela frota de ônibus que circula na cidade de São Paulo.

Floriano Romano (Brasil) – “Espreguiçadeiras Sonoras” - Através de caixas embutidas é possível ouvir o som do mar. A instalação busca uma complementaridade entre a paisagem física e a paisagem sonora. “A paisagem é uma emissão de ondas de luz, um fenômeno que está acontecendo no momento; a paisagem sonora também. Mas a gente não tem o hábito da escuta, que é o objeto do meu trabalho.”

Harry Bertoia (Itália-Estados Unidos) – “Sonambient” - Um dos pioneiros no uso de som como material escultural. Usava as qualidades auditivas de metal vibratório para construir esculturas sonoras com fins funcionais. A sonoridade tonal é relaxante, zen, meditativa. Vamos exibir uma miniatura e um vídeo documentário.

John Cage (EUA) – 4’33” - Para muitos, um dos trabalhos de arte mais importantes do século 20. Vamos mostrar um detalhe da partitura e o vídeo de uma apresentação. Essa emblemática peça-happening (interativa, multimídia, aberta, performática) não é sobre o silêncio, mas, sim, sobre a impossibilidade do silêncio. Sendo assim: tudo é som; tudo é música.

Marco Scarassatti (Brasil) – “Exú” - Um dos “Orixás Sonoros” do artista: objeto tridimensional inspirado no Orixá de mesmo nome que, através de seus materiais, formas e movimentos, produz uma quarta dimensão: o som.

Negalê (Brasil) – “Encantadas” - Instalação com osciladores sonoros baseados no extrato de ervas e plantas.

Paulo Bruscky (Brasil) – “Música” - Fotografia de um pote de vidro com sementes. Trata da expansão do conceito de música a partir de Cage, onde “tudo é música”.

Rafael Lozano-Hemmer (Canadá) – “Au Clair de la Lune” - No final do século 19, “Au clair de la lune” se transformou na primeira gravação fonográfica conhecida da fala humana. Neste trabalho, a mesma frase é materializada com a parceria de cientistas em uma impressão 3D.

Simon Fernandes (Brasil) – “Não é o silêncio que se move” - Gravações de áudio feitas durante as manifestações populares convertidas e manipuladas em imagens. Trabalho que explora o aspecto silencioso do som no sentido da passagem, do rastro deixado por esses ruídos (a infinita propagação da onda sonora e sua transformação).

Vivian Caccuri (Brasil) – “Escutar é uma utopia 6” - Trabalho muito importante para a exposição. Porque se por um lado estamos promovendo esse interesse no som em detrimento da imagem, escutar é algo utópico porque pressupõe o compromisso de abertura ao outro.

Tiganá Santana (Brasil) – “Ilês, Aiyês, Carnavais e Ancestrais” - Instalação sonora que presta uma homenagem ao primeiro bloco afro do Brasil fundado 50 anos atrás.

Yoko Ono (Japão) – “EARTH PIECE: Listen to the sound of the earth turning” - Obra de arte conceitual e participativa, uma das muitas instalações da artista, sobre ouvir o som da terra girando.

Walter Smetak (Suíça-Brasil) – “Pindorama” - Instrumento original construído por Smetak. Foi pensado para ser executado por até 60 músicos simultaneamente. O sentido da improvisação coletiva reúne-se em um único objeto.

Anti Ribeiro (Brasil): “Uivo” - Instalação sonora quadrifônica no escuro onde diferentes tipos de som (segundo a artista, “vozes”), nos convidam a escutar para nos relacionarmos com o que não é aparente.

Christine Sun Kim (EUA) – “Close Readings”- Nessa série, os vídeos têm o áudio desligado, mas apresentam legendas. Em cada um dos quatro vídeos, um colaborador surdo comenta em texto sobre a qualidade das legendas, destacando como muitas vezes são malfeitas ou incompletas. A série expõe as limitações e omissões das legendas convencionais, que muitas vezes não capturam a totalidade da informação sonora ou a riqueza da comunicação verbal.

Christine Sun Kim (EUA) – “Echo Trap” - desenhos utilizam elementos gráficos para representar a relação entre som, espaço e tempo. Kim recorre a diagramas, linhas, e símbolos para ilustrar como os ecos — reflexos sonoros que retornam ao ouvinte — podem ser percebidos e interpretados de maneiras diversas. A série é uma investigação sobre como o som, ou a ausência dele, interage com o espaço físico e como essas interações são processadas mentalmente.

Ciana (Brasil) – “Beat Bolha” - Instalação sonora em formato de caixa/portal de madeira e vidro em que o som sai da água reservada no interior da obra. Reflete a pesquisa da artista, usando a metonímia do beat bolha (subgênero do funk popularizado no Rio de Janeiro e São Paulo que utiliza sons de água/ bolha na construção da batida) para pensar a ancestralidade no funk e as influências da travessia atlântica dos povos africanos na sonoridade de favela.

Darya Efrat (Israel), Joana Burd (Brasil) e João Dias-Oliveira (Portugal) – “Earth Pulse” - Instalação participativa através uma esteira elevada com piso de grama e caixas de som de baixas frequências escondidas embaixo da superfície. A ideia é que você sinta a vibração de forma corpórea e coletiva e lembre que a terra é um organismo vivo no qual habitamos e cuja energia e comportamento alteramos constantemente.

Julia Rossetti (Argentina) – “Postales Sonoras” - Bordados em ponto-cruz baseados em fotografias do pôr do sol no Rio Paraná são transformados em som, criando uma representação auditiva dessas imagens, como se fossem postais sonoros. O vídeo que acompanha a obra inclui áudios de relatos dos moradores locais.

Nicole L´Huillier (Chile) – “Cuchicheos” - Obra que sinaliza ideias de sintonia com a alteridade, ouvindo e prestando atenção às muitas histórias que constroem nossas realidades, principalmente àquelas que são sussurradas ao nosso redor em uma língua desconhecida.

PV Dias (Brasil) – “Cobra Grande Sound (Vermelha, Verde, Azul e Amarela)” - Instalação sonora (apanhado cacofônico de tecnobregas do Pará) com caixas de som que fazem referência a uma imponente cobra mítica. Trata-se do mito do Norato ou Cobra Grande, presente em diversas cidades amazônicas. Segundo a lenda, essa serpente gigantesca vive sob a terra e, em determinados momentos, se movimenta, fazendo tremer a cidade que está sobre ela.

Craca (Argentino-Brasil) - “Áudio Wall” - Um paredão de som ou bloco acústico constituído por tijolos refratários com alto-falantes embutidos com um sistema lateral de conexão magnética.

E fora do ambiente da mostra, no terraço do 26º andar, o artista brasileiro Rodrigo Ramos apresenta o trabalho “Espelho Sonoro”. A ideia é ampliar a percepção dos ambientes urbanos e naturais a partir da escuta. A obra é uma releitura de localizadores sonoros acústicos utilizados durante a Primeira Guerra Mundial (1914 – 1919) para localizar aviões, navios e tanques.

A exposição Virada Sônica é apresentada pelo Ministério da Cultura, Zurich Santander, Emdia e Santander Brasil.