Artigo: Preservar memória é também responsabilidade social

imagem das mãos de uma pessoa, aparentemente um homem adulto, escrevendo à caneta em algumas folhas, são vists as mãos e parte dos braços com camisa de mangalonga azul clara. a mão direira escreve com a caneta e a esquerda está apoiada segurando os papéis.
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Por Viviane Morais

Preservar memória das empresas é também uma questão de responsabilidade social

Por que uma empresa deve se preocupar com a preservação de sua história? Creio que ainda estamos construindo, enquanto sociedade, uma resposta adequada para essa questão. Durante muito tempo prevaleceu a ideia de que o acervo de uma instituição privada serve basicamente para adornar datas comemorativas. Quando não, seguia-se o caminho da preservação “pura” da memória, isto é, o guardar pelo guardar, apenas para evitar que documentos e objetos se percam – o que, embora longe do ideal, acabou salvando acervos preciosos, posteriormente organizados e tratados de maneira mais qualificada.

Mas faltava a compreensão, hoje cristalina, de que a memória empresarial pode beneficiar toda a sociedade. Ela extrapola a relação de uma empresa com sua própria história. Ao conjugar as reminiscências do universo do trabalho com a comunidade, e a serviço dela, uma organização privada ajuda a manter vivos lugares, pessoas e acontecimentos.

Essa mudança de mentalidade começa nos anos 1990. Pesquisadores acostumados a frequentar acervos públicos passaram a garimpar também no setor privado, criando uma onda de preocupação com os documentos de grandes empresas. Essa busca ativa, puxada pelas universidades, levou muitas instituições a entenderem a importância de seus acervos. Mirar o passado, afinal, é um exercício inspirador, que pode servir para nortear o futuro.

Mas preservar não é o suficiente. Ao contrário dos arquivos públicos, obrigatoriamente acessíveis, disponibilizar ou não coleções particulares é uma escolha vinculada ou determinada pela maneira como a organização se relaciona não apenas com sua história, mas também com a história do território onde atua. Isso fez com que algumas organizações chegassem aos dias atuais entendendo a preservação documental como uma contrapartida social. Logo, é preciso que as empresas compreendam que seus acervos só ganham relevância social se estiverem abertos ao público externo.

Para isso, é fundamental que esses acervos se façam presente no cotidiano dos diversos pesquisadores e instituições que utilizam documentos históricos como referências fundamentais para o desenvolvimento de estudos e pesquisas. O que justifica o investimento não apenas na estrutura dos acervos, dos materiais de acondicionamento e em medidas de preservação, mas também em equipes especializadas que serão responsáveis pela gestão documental, atendimento aos pesquisadores e ao público interno, bem como para a elaboração de produtos e conhecimentos a partir dos documentos preservados.

A memória institucional guarda profunda relação com a identidade e com a cultura da organização. Para que uma empresa construa um relacionamento efetivo com seus stakeholders, é essencial investir em práticas que gerem o sentimento de pertencimento, fazendo com que se reconheçam como um elemento de sua trajetória.

Mesmo que o objetivo primordial de uma organização seja produzir bens e serviços para consumo, é essencial que a sociedade a enxergue também como produtora de significados, já que sua atuação influencia e interfere em vários aspectos da vida dos indivíduos.

A memória institucional preservada funciona, deste modo, como uma ferramenta para que a organização se compreenda no passado e possa utilizá-la como elemento de credibilidade no presente.

Ao definir de maneira clara seus objetivos e o seu lugar social no presente, a organização tem os parâmetros necessários para olhar o passado e resgatar dali os documentos, fatos e elementos identificatórios mais tradicionais e estratégicos, que a ajudem a recuperar sua essência, rever seus processos e projetar seu futuro.

Nesta perspectiva e ao levar em conta o cenário mercadológico competitivo que vivemos, a manutenção desses espaços não será feita, em um futuro próximo, por poucas dezenas de grandes empresas com longa trajetória no país, que remonta a outros séculos. Futuras e promissoras organizações nascerão já com esse valor agregado às suas marcas porque a preservação da memória fará parte da cultura organizacional e se refletirá na identidade da organização e da sociedade consumidora.

Não há mais dúvidas de que o investimento em memória é importante para uma organização. A memória alimenta valores sociais. Ela faz parte do conceito de responsabilidade social – e, portanto, do tão visado acrônimo ESG – tanto quanto a sustentabilidade ou a governança.

Memória significa valor agregado. O consumidor moderno tem o olhar apurado para a atuação das empresas no contexto social, e vê o cuidado com a história como um elemento de responsabilidade. É por isso que valorizar o passado ajuda a crescer no futuro.

Sobre a autora: Viviane Morais é historiadora do Centro de Memória Bunge, que completa 30 anos em 2024.

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