por Tiago Hercílio Baltazar
Carnaval: potência e impotência da condição humana moderna
O Carnaval é uma das manifestações culturais que distinguem o Brasil, atraindo milhões de brasileiros e pessoas de diferentes países. Embora seja associado à alegria e liberdade, também provoca efeitos psicológicos de impacto bastante relevante para não serem considerados mediante reflexão e cuidado.
Para os foliões, o Carnaval é uma catarse coletiva. A música, a dança e as fantasias rompem temporariamente com as restrições sociais, permitindo uma espécie de liberação cujos efeitos podem ser experimentados por todos aqueles que participam direta ou indiretamente.
Socialmente, nota-se um efeito de pertencimento: participar de um bloco ou de uma multidão pode gerar identificação, criar vínculos, diminuindo a sensação de solidão ou isolamento social. Contudo, o excesso de estímulos, como barulho e contato físico intenso, pode causar estresse, levando também a um “esgotamento social”. Indivíduos introvertidos ou com dificuldade de regulação emocional são os mais suscetíveis a esse efeito.
Para comunidades marginalizadas, o evento tem ainda mais significado. Desfiles e blocos com temáticas sociais ou políticas celebram identidades e reivindicam inclusão. O Carnaval, nesse sentido, é considerado por muitos uma ferramenta de transformação social.
Após as festas, observa-se frequentemente o efeito de “ressaca emocional”, quando a folia dá lugar a sentimentos de vazio e tristeza. Apesar disso, o Carnaval desempenha um papel importante na saúde mental coletiva, funcionando como um mecanismo de resiliência social. Ele permite que tensões e frustrações sejam simbolicamente canalizadas por meio da arte e da cultura. É um momento em que a criatividade e a resistência cultural se manifestam com força.
Como a Psicologia pode nos ajudar a compreender melhor o efeito de rebote ou ressaca, tão comumente associado a esse tipo de manifestação cultural coletiva?
O psicanalista e psiquiatra Wilhelm Reich (1987-1957) desenvolveu importantes reflexões sobre a ânsia pelo prazer no homem moderno, em sua obra A função do orgasmo. Suas ideias têm como base o conceito de “potência orgástica”, e demonstram um processo de autorregulação biofisiológica do organismo. Em contextos como o Carnaval brasileiro, onde ocorre intenso contato físico erótico, podemos nos perguntar se esta disponibilidade de encontros sexuais de fato aumentará a satisfação dos participantes. Divergindo deste senso comum, a prática clínica de Reich comprova que o acúmulo de frustrações sexoafetivas, gerando aumento de excitação libidinal em regiões pré-genitais, sem a capacidade de regulação através da descarga potente, terminará por constituir patologias.
A Psicologia Corporal reichiana descreve esse fenômeno como “encouraçamento de caráter”, uma espécie de enrijecimento da estrutura afetiva, em que resistências fisiológicas e psicológicas subtraem a potência da descarga orgástica, gerando condições neuróticas crônicas. Dentre essas condições podemos citar as dificuldades de socialização, baixa disposição para o trabalho, fantasias e angústias relacionadas à capacidade de “entrega” em relacionamentos afetivos etc.
Como conclusão, pode-se afirmar com apoio em abordagens próprias a Psicologia, que a mera exposição a encontros sexoafetivos não importa em melhoria da condição da regulagem biológica do organismo. Se podemos contar algumas sensações de prazer durante as festas, para o indivíduo que engaja numa busca desenfreada pelo prazer, perdendo de vista suas autênticas necessidades orgânicas e pessoais, o balanço da exposição frequentemente é bastante comprometedor para a saúde.
Sobre o autor: Tiago Hercílio Baltazar, é psicólogo, doutor em Filosofia pela Universidade Federal do Paraná, Coordenador e Docente do Curso de Psicologia da UNIASSELVI Blumenau.
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