Gestantes e a pandemia

imagem de gestante em um por do sol, é possível apenas ver sua silhueta
imagem: Dan Evans/Pixabay

Pesquisa realizada em dez cidades brasileiras e publicada no Journal of Clinical Medicine, revela que a pandemia do coronavírus tem um impacto significativo sobre a saúde mental de gestantes, no que se refere à ansiedade materna.

O estudo brasileiro inédito coordenado pela obstetra Prof.ª. Roseli Nomura, entre os meses de junho e agosto de 2020 apontou um percentual significativamente maior de ansiedade entre gestantes, que comparado às mulheres em geral. A pesquisa foi realizada em cooperação  entre universidades públicas de dez grandes centros. A metodologia seguida foi de entrevistas com mulheres que tiveram gravidez normal, em até três dias após o parto.

Roseli Nomura, presidente da Comissão Nacional do TEGO e da Comissão Nacional Especializada em Medicina Fetal da Febrasgo, aponta que as dúvidas sobre a doença são um fator significativo para este resultado. Ela comenta que o aumento da ansiedade materna se relaciona majoritariamente à falta de confiança na autoproteção contra a Covid-19. Somam-se as dúvidas quanto à segurança da amamentação entre outros motivos relacionados a esta incerteza.

Resultados em número

A pesquisa foi realizada em todas as regiões brasileiras, em capitais e duas grandes cidades do interior paulista. As entrevistadas haviam realizado seu parto em hospitais universitários, sem intercorrências e com bebes saudáveis. Em cada centro, um professor coordenador responsável garantia a uniformidade da aplicação dos questionários. A pandemia se mostrou um fator de ansiedade maior entre as gestantes que comparado a outras mulheres.

Segundo a OMS, sintomas de ansiedade, em todos os níveis, atingem 7,7% das brasileiras. Este percentual foi bem mais elevado entre as entrevistadas. A pesquisa constatou que 23,5% das gestantes apresentaram níveis moderado e grave de ansiedade. Deste número, 13,9% apresentavam ansiedade moderada e 9,6% grave, dentro da classificação utilizada no levantamento.

Reflexões sobre resultados

A coordenadora da pesquisa relaciona fatores comuns à sociedade, como isolamento social, perdas financeiras, declínio na qualidade de vida e até mensagens conflitantes de autoridades governamentais como estressores. Porém, acrescenta que no grupo de gestantes, as informações sobre cuidados no parto e pós-parto, podem ser melhoradas durante o atendimento pré-natal e na admissão hospitalar. Um prognóstico incerto pode ser motivo para  crises de saúde mental.

A situação da pandemia na região em que a gestante estava e seu grau de conhecimento sobre o novo coronavírus também foram levadas em conta. As entrevistas mostraram a ansiedade materna mais prevalente e grave em regiões que, naquele momento, apresentavam alto no número de casos. “As notificações de mortes podem potencialmente impactar a saúde mental materna e aumentar o risco de transtornos de ansiedade“, comenta a Profa. Roseli.

Acolhimento

Os médicos residentes que realizaram as entrevistas nas várias regiões brasileiras, relataram aos coordenadores uma necessidade de acolhimento por parte das gestantes. Eles perceberam que havia nelas a necessidade de conversar e externar suas preocupações e angústias. A professora Roseli, que pontua que este acolhimento é uma forma importante para ajudar a diminuir a ansiedade. Focar em aspectos positivos, relacionados à gravidez e à chegada da criança, pode ajudar neste momento.

A obstetra acrescenta que fornecer informações corretas e atualizadas de maneira clara é outro modo de contribuir para tranquilizar a gestante. Ela lembra que esse cuidado não se limita ao momento atual e que os estudos sobre o impacto da ansiedade na vida das gestantes seguem sendo realizado. Ela acrescenta que já se sabe que mulheres com ansiedade apresentam maior potencial para desenvolvimento de depressão pós-parto.

Leia o artigo na íntegra (em inglês): https://www.mdpi.com/2077-0383/10/4/620/htm

REALIZAÇÃO DA PESQUISA 
A pesquisa foi recebida em Dezembro.2020 ao Journal of Clinical Medicine e publicada após revisão em 06.02.2021.
 
A pesquisa abrangeu puérperas entrevistadas até o terceiro dia após o parto, antes alta hospitalar. Para participar do estudo, os pesquisadores consideraram mulheres maiores de 18 anos; com idade gestacional no parto superior a 36 semanas; recém-nascido único, vivo e sem malformações; sem suspeita clínica ou diagnóstico atual de Covid-19; ausência de diagnóstico psiquiátrico ou distúrbios mentais (como depressão, distúrbio bipolar, esquizofrenia, etc.); e com boa saúde.

Para avaliar a ansiedade materna foi utilizado o Inventário de Ansiedade de Beck (BAI). De acordo com as respostas, os níveis de ansiedade foram definidos em mínima, leve, moderada e grave. As questões foram respondidas seguindo instruções breves e padronizadas. Outro questionário abordou o conhecimento e preocupações da mulher com a Covid-19 e compreendeu quatro domínios: conhecimentos gerais e preventivos, preocupações no pré-natal, cuidados e medos durante o parto, cuidados e preocupações com o recém-nascido. 

A realização das entrevistas ocorreu em hospitais vinculados a universidades públicas de 10 cidades do país – Manaus, Natal, Teresina, São Paulo, Campinas, Botucatu, Florianópolis, Porto Alegre, Campo Grande e Brasília – e contou com a participação de professores universitários e médicos residentes treinados para conduzir as entrevistas e orientar as mulheres no preenchimento os formulários, bem como fornecer orientações de saúde sobre os cuidados com a Covid-19 e eventuais dúvidas sobre a gestação.