Longa Entrelinhas mostra a face da ditadura no Paraná

cena do filme com a protagonista sendo fotografada no dops

Haverá uma sessão especial, quinta, 22, às 19h, no Reag Belas Artes, na Consolação, com preço promocional, com a exibição do filme seguida de uma conversa com o diretor Guto Pasko.

O período de mais de 20 anos em que o Brasil esteve submetido à Ditadura Militar é uma parte de nossa história sobre a qual ainda há sempre o que descobrir e divulgar. Uma grande parte deste trabalho foi feita pelas Comissões da Verdade, com o reconhecimento de vítimas e detalhamento de suas histórias. O cinema nos presta um grande serviço ao mostrar algumas delas. Em abril foi lançado o documentário sobre Madre Maurina, a única freira de que se tem registro até o momento que, inocente, foi presa e torturada. A partir desta quinta, dia 22, os brasileiros poderão conhecer Ana Beatriz Fortes, estudante paranaense presa e torturada, por engano, em 1970, cuja história inspirou o longa Entrelinhas.

Foi há quase exatos 19 anos, em 24 de agosto de 2005, que diretor Guto Pasko ouviu pela primeira vez o nome de Beatriz e soube o drama pelo qual ela passou, pelo relato de um amigo seu, que fez parte da história. Vitório Sorotiuk era o presidente do DCE da UFPR e havia sido preso junto com a irmã da personagem protagonista da história, em um congresso estudantil clandestino. Elisabeth Franco Fortes foi condenada à prisão pela ditadura e recebia visitas constantes de sua irmã no presídio do Ahú em Curitiba, o que acabou gerando desconfiança dos militares. Por uma série de conclusões erradas, a jovem de 18 anos à época foi sequestrada e torturada por engano, depois devolvida à família.

“A motivação principal para o filme ter sido produzido é falar do Brasil de hoje, sobre esse momento de polarização insana que o país tem atravessado nos últimos tempos, inclusive com parcela significativa da sociedade até mesmo desejando o retorno do regime militar, como vimos nos atos antidemocráticos do dia 08 de janeiro de 2023″, comenta Guto Pasko. O diretor esclarece que “o filme não levanta bandeiras e sim expõe os fatos como são e trabalha com o contraditório. Não é um filme acusatório, ele levanta perguntas, reflexões, nas suas entrelinhas. É um filme que aborda contextos históricos, mas também é sobre os brasileiros “anônimos” de ontem e de hoje – que foram e continuam sendo vítimas da violência e repressão – pois essa ferida ainda continua aberta nas entranhas do país”.

Sinopse: Beatriz é uma estudante brasileira de 17 anos. Ela é presa pelo regime militar sob a acusação de pertencer ao movimento estudantil subversivo e a um grupo de guerrilha armada que luta contra o regime, a Vanguarda Armada Revolucionária Palmares / VAR-Palmares. Após resistir a dez dias de torturas sem que os militares comprovassem o envolvimento dela com as acusações, Beatriz é devolvida à família toda estraçalhada por um oficial do Exército Brasileiro que, simplesmente diz: “Desculpem, foi um engano”.

A produção de Entrelinhas

O longa Entrelinhas se baseia nessa história real, acontecida em 1970, mas é uma obra de ficção. Nas entrelinhas do filme, existem muitas referencias verdadeiras, que talvez o público não perceba, mas estão presentes, como datas, locais e até algumas frases, entre outros. Além do nome das irmãs Beth e Beatriz que foi preservado, em uma cena é feita uma referência a “Marcelo”, o codinome usado na época por Vitório Sorotiuk. A diretora de arte Isabelle Bittencourt conseguiu autorização para usar as fichas reais de detidos pelo DOPS como elementos de cena. Uma das fichas, por uma coincidência incrível, era do pai de uma das pessoas da equipe que a viu na hora em que fazia fotos para a produção. Quem viveu nas décadas de 60 e 70 vai adorar rever diversos móveis, roupas e acessórios comuns naquela época, bem como os carros que são usados.

Um ponto importante, levantado pela produtora Andréia Kaláboa, se refere a uma questão que hoje é bastante levada em conta: o cuidado com a exposição da mulher. “A gente discutiu muito como seria isso, colocar o corpo de uma menina de 18 anos, em uma tela grande, com o entorno de muitos homens”, explica. Mesmo que no contexto real, a protagonista tenha sido exposta a cenas de extrema violência, a necessidade deste tipo de cena foi bastante refletida. A discussão envolveu não apenas a equipe de roteiro, como uma consultora e a própria atriz. A violência e as sessões fortes de tortura são todas apresentadas, mas sem uma exposição desnecessária do corpo feminino.

Desafios de Distribuição

A estreia de Entrelinhas, marcada para esta quinta, dia 22 de agosto, está prevista para 17 salas em várias cidades do país. Não apenas pela história, mas pela qualidade da produção, o longa merceria estar em um número maior de salas de exibição. Os sócios da GP7 Cinema, Guto Pasko e Andréia Kaláboa concordam que existe um desafio constante a ser vencido, mas afirmam que é preciso continuar resilientes, cientes da ‘regra do jogo’ e comentam algumas particularidades sobre o assunto.

“A grande dificuldade é abrir espaço para os filmes brasileiros nas salas de cinema. A gente ficou sem a cota de tela em todo o período passado recente [do governo anterior], que está voltando agora, mas o Entrelinhas ainda está fora. Se a cota tivesse voltado uns três meses antes, o filme conseguiria mais espaços”, avalia Guto Pasko, diretor e produtor de Entrelinhas. “Além dos desafios que o cinema nacional como um todo encontra, o nosso maior desafio é mostrar que a gente tem capacidade produtiva fora do eixo Rio-São Paulo, “, comenta a produtora Andréia Kaláboa. “Hoje o Paraná já cresceu muito, tem produtoras recebendo prêmios inclusive internacionais. Mas nosso desafio ainda é desbravar e ganhar esse espaço”, conclui.

Guto Pasko acrescenta que distribuir ainda é muito caro no Brasil e então lançamento em cinemas sempre será proporcional ao recurso levantado. Ele comenta que as outras janelas de exibição se tornam cada vez mais importantes como a televisão paga e o streaming. O produtor faz uma referência à importância da Lei 12.485, promulgada em 2011, que regula mercado de TV por assinatura no Brasil e estabelece cotas de programação nacional, e a atual discussão que deve regular o mercado de VOD (video on demand), abrindo mais frentes para o produto brasileiro.

O filme Entrelinhas foi apresentado em diversos festivais no Brasil e é vencedor em cinco categorias no Festival Cine PE 2023: Melhor Direção, Melhor Atriz, Melhor Montagem, Direção de Arte e Edição de Som.

Sessão-debate no Reag Belas Artes
Quinta, 22.08, às 19h
Rua da Consolação, 2.423
Sala 5 – Luiz Carlos Merten
Ingressos a R$20 (R$10 a meia)

Assista ao depoimento real da senhora Ana Beatriz Fortes, que inspirou o filme, à Comissão da Verdade em Foz do Iguaçu (neste link)

Onde assistir, aqui na capital
Playarte Ibirapuera - sessões a confirmar
Cinesystem Frei Caneca - sessões às 14h45
Cinesystem Morumbi Town  - sessões às 13h15
Cinesystem Bourbon - sessões às 13h
Playarte Marabá (Av. Ipiranga) - em breve
Reag Belas Artes - sessões às 20h40
Ficha Técnica
Direção: Guto Pasko
Roteiro: Guto Pasko, Rafael Monteiro, Tiago Lipka e Sebastian S Claro
Produção: Andréia Kaláboa e Guto Pasko
Produção Executiva: Amarildo Martins
Diretor de Produção: Jefe Miranda
Direção de Fotografia: Alziro Barbosa
Distribuição: Elo Studios
Montagem: Lucas Cesario Pereira
Trilha Sonora: Kiko Ferraz e Christian Vaisz
Edição de Som: Kiko Ferraz
Direção de Arte: Isabelle Bittencourt
Figurino: Cesar Martins
Atores Principais: Leandro Daniel e Daniel Chagas
Atriz Principal: Gabriela Freire
Ator Coadjuvante: Eduardo Borelli, Mauro Zanatta, Renet Lyon
Atriz Coadjuvante: Patrícia Saravy e Laís Cristina
Elenco: Carlos Vilas Boas, Brenda Sodré, Leonardo Goulart, Fabiana
Ferreira, Maureen Miranda, Thadeu Peronne, Diego Pallardó, Ranieri
Gonzales, Nei Brigano, Endrew Knolland, Andrio Robert, Lucas Scremin,
Nathalia Garcia, Angélica Pimenta, Otávio Linhares, Pruner Neto, Daniel
Siwek, Fernando Kadlu, Richard Rebelo, Sandro Tueros, Bárbaro Xavier,
Altamar Cezar e Regina Vogue
Longa-metragem, drama, 94 minutos

O cinema nacional precisa não apenas de apoio para produção, mas do público que é sua ‘razão’ principal. Vá ao cinema! Em São Paulo temos algumas salas que dão espaço às produções ‘alternativas’, em que muitas vezes se enquadram os filmes nacionais de fora do eixo RJ-SP. A ideia é ter mais público, para que estes filmes tenham mais espaços de exibição! Lei também sobre alguns outros filmes, que merecem ser vistos nas diversas telas disponíveis: O anel de Eva, Tire cinco cartas e os documentários Madre Maurina e Servidão.